Tuesday, May 29, 2007

torcer o pepino V

Olivia Bina - All rights reserved ©

Apesar de tudo continuam a gostar de brincar e rir como se não tivessem que andar por aí. Como se os locais para brincar na cidade não fossem bem vedados, forrados de material sintético e com “aparelhos” calibrados e estudados na Escandinávia.

Um logradouro ou um baldio de Lisboa pode passar despercebido a certos adultos mais distraídos, outros sabem que são micro-pulmões da cidade, reguladores da temperatura, escorrência e biodiversidade. Para outros são “vazios” para pensar e, err, preencher. Mas para quem anda a torcer o pepino, podem ser verdadeiros universos. Nos tempos que correm os vazios, onde era possível encontrar esconderijos e piratas, seringas e revistas pornográficas, acabam por ser transformados em locais de estacionamento. Mas felizmente continuam a gostar de andar por aí. Em casa.

Monday, May 21, 2007

torcer o pepino IV

A velocidade dos veículos automóveis é a principal causa de mortes por atropelamento em Lisboa. Para um condutor a diferença entre 30 km/h e 50 km/h é imperceptível, para uma criança ou adulto a pé faz toda a diferença – é a diferença entre um doidoi e a morte. Planearmos vias rápidas no meio da cidade, ou construirmos cidade entre vias rápidas é um sintoma de um paradigma autista, esgotado e criminoso.

Av. de Ceuta

Sunday, May 20, 2007

torcer o pepino III

Nos últimos anos as crianças estão a crescer cada vez mais isoladas do mundo e dos amigos.

A protecção dos pais é compreensível: Portugal tem recordes verdadeiramente trágicos de mortes na estrada para qualquer grupo etário, mas são principalmente os mais jovens e idosos (os tais Lisboetas que não têm carta de condução) que são vítimas de condutores.

Crianças do 1 aos 14 anos mortas em acidentes rodoviários na União Europeia.

A tragédia é tanto maior porque as estatísticas mostram que quanto mais protegermos as crianças na sua exposição à cidade e ao tráfego, sem a gradual experiência e aprendizagem do perigo, mais probabilidades elas têm de morrer durante a adolescência.

A socióloga Helene Fretigné, no livro A Praça do Saldanha: Conflitos de uso no espaço público lisboeta (ed. Assírio & Alvim e ACA-M), ao medir as velocidades praticadas no Saldanha, detectou em quatros horas 69 infracções graves e 4 infracções muito graves. À noite "só um pouco mais de 30% [dos condutores] anda a uma velocidade adequada à requerida numa praça".

Thursday, May 17, 2007

torcer o pepino II

As crianças não têm a possibilidade de ter carta de condução. Esta verdade evidente parece esquecida no desenho da cidade que temos construído nos últimos anos. Como notou Enrique Peñalosa, num discurso no Banco Mundial, vivemos numa sociedade que sabe perfeitamente qual é o melhor ambiente para um gorila ou uma baleia, mas desaprendeu a construir cidades também para as crianças.


(c) 2007, Joel Crawford

Permitir a entrada de quase meio milhão de carros em Lisboa todos os dias tem as suas consequências. Não é preciso ser romântico, sociólogo, nostálgico ou pedagogo para saber que a autonomia e a possibilidade que uma criança tem de explorar o mundo são elementos fundamentais para o seu desenvolvimento físico e psíquico – sujar as mãos, dobrar a esquina da rua pela primeira vez, construir amizades a caminho da escola, apanhar chuva, perceber e medir os seus limites, subir uma árvore, experimentar o perigo, molhar os pés, conversar com estranhos, acompanhar um carreiro de formigas, ter receio e fazer, ter receio e não fazer.

(em atenção ao pcc)

Wednesday, May 16, 2007

torcer o Pepino

Agora que vamos todos a votos, apetece-me falar dos que não têm voto na matéria. Querem lá saber do Carmona, do Pedro Santana Lopes, da Helena Roseta ou do José Sá Fernandes. Nem sequer pediram para andar por aí. Os que já não podem tocar às campainhas e fugir, nem trocar cromos no lancil do passeio. Aqueles que nos momentos de excitação vêem a cidade do banco de trás enquanto se deslocam de garagem-em-garagem – sabem melhor as marcas dos carros que o nome dos pássaros ou das arvores.

Quando digo que mais de 70% dos lisboetas não têm o privilégio de ter carro, depois do primeiro espanto, o pessoal diz-me com um sorriso matreiro – Eh pá, estás a contar com as crianças?! Outros, mais versados nestas “falácias” estatísticas, chegam a acusar que não é bem assim, porque a cidade tem muitos idosos!

Ok, confesso já aqui que me apanharam. Estou mesmo a contar com todos os Lisboetas.